Artigo de Pedro da Luz Moreira publicado no Valor Econômico

 

As notícias sobre obras no Brasil revelam atrasos nos cronogramas e estouro dos orçamentos. A culpa por esta situação, em discussão no Senado, está sendo equivocadamente imputada ao desenvolvimento de projetos, que, se suprimido, garantiria obras mais ágeis, com maior respeito a orçamentos. Isso é uma falácia.

 

E a votação da Medida Provisória 630, que propõe a ampliação do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), está prevista para hoje. O nome do modelo já denota excepcionalidade ao criar uma nova forma de contratação de obras públicas no país.

 

A MP 630 altera a lei 12.462 de 2011, que instituiu o RDC para obras da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016. Em seu nascedouro, foi enviada ao Congresso no calor das rebeliões nas cadeias do Maranhão, num país de urgências candentes, do saneamento à infraestrutura, passando pelos grandes eventos.

 

A argumentação dos defensores da MP 630, entre os quais a senadora Gleisi Hoffmann, ex- chefe da Casa Civil, baseia-se na obtenção de agilidade na contratação. É importante frisar que ela se refere à contratação, não à entrega das obras para desfrute da população. A MP entende que o principal fator na prorrogação do prazo e no descontrole das obras está na fase de projeto, período de debate da sua adequação, momento de planejamento.

 

Em artigo na “Folha de S. Paulo”, Gleisi Hoffmann escreveu: “Na Infraero, o prazo médio para a realização de uma concorrência pública caiu, com o RDC, de 252 para 93 dias. No Dnit baixou de 285 para 118 dias”. A senadora faz alusão ao tempo de definição do objeto a ser construído, ao prazo em que abandonamos o acaso e entramos na intencionalidade.

 

Mas é preciso que se aponte que obras contratadas pelo RDC já estão apresentando problemas. É o caso da ampliação do Aeroporto de Cuiabá (MS), estimada em R$ 77 milhões com entrega prevista para dezembro de 2013, que já alcança R$ 115 milhões e até hoje não foi finalizada. A ampliação do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), dos R$ 79,6 milhões iniciais passou para R$ 181 milhões. Com previsão de entrega para maio de 2014, agora sequer há um prazo. Há a obra de Confins, em Belo Horizonte, reajustada de R$ 223 milhões para R$ 241 milhões, com o prazo prorrogado mais de três vezes. Enfim, a experiência mostra que obras precisam ser desenhadas, discutidas, coordenadas, orçadas. E aí, sim, licitadas. Sem predefinição, não há delimitação do objeto.

 

O caminho trilhado pela MP 630 demonstra que confunde-se urgência com voluntarismo e ação atabalhoada. Temos urgências, mas não obteremos celeridade abrindo mão de projetos, nos entregando ao acaso.

 

De acordo com a medida provisória, o vilão é a fase inicial de projeto, o momento em que se pensa a obra. Em discurso, Gleisi Hoffmann demonstrou desconhecimento ao declarar que “arquitetos não fazem o projeto executivo da obra. Quem faz projeto executivo é engenheiro”.

 

Quem faz projeto – estudo preliminar, anteprojeto, projeto legal ou executivo – são arquitetos e engenheiros, que se distribuem por uma infinidade de disciplinas técnicas. Essas atribuições são coordenadas por um projeto de arquitetura, que concentra informações variadas, como estrutura, instalações, impactos sociais, acessibilidade, iluminação etc.

 

Um projeto bem detalhado significa controle sobre materiais, custos e prazo. Demanda tempo e qualidade de interlocução. Além disso, lança a concepção geral, apresenta os conceitos básicos das transformações a diferentes agentes, para que haja participação e debate sobre a adequação da obra.

 

Para acertar em nossas pretensões de mudança, precisamos valorizar a cultura do planejar e do projetar, pois o homem civilizado pensa antes de executar. E não o faz por uma defesa corporativa, mas pelo equilíbrio que se alcança entre sociedade e natureza.

 

Desde tempos imemoriais, o homem projeta antes de realizar, exatamente para controlar custos, prazos e benefícios, de forma racional.

 

Projeta-se uma viagem, um filho, uma compra, a infraestrutura do país. Projeta-se a ocupação do território, a inter-relação das ações humanas com o meio, a calçada das nossas cidades, o sistema de transportes, a rede elétrica.

 

A etimologia da palavra projetar explica: “Pro” denota antecipação, previsão e controle; “Jactar” é lançar, antecipar e arriscar. Portanto, projeto é um lançamento antecipado, um desígnio pretendido. É a fase onde se lançam diversas hipóteses, debatidas e consolidadas no papel, para que não haja variações ou dúvidas sobre o que deve ser feito. O projeto é a instância fundamental para que custos e benefícios de qualquer transformação sejam medidos e pensados.

 

A Medida Provisória 630 é um equívoco. Se o que se quer é ganhar celeridade e intencionalidade em obras, devemos investir no planejamento, superando o fazer voluntarioso e impensado.

 

Há muito os homens civilizados abandonaram a mera experiência e absorveram um modo de consciência, desenhando obras antes de executá-las. O arco temporal da humanidade levou-nos da experiência ao projeto, às ações intencionais, embasadas em diálogos e acordos, possíveis porque são simulados com antecedência.

 

Pedro da Luz Moreira, arquiteto, é presidente do IAB-RJ e diretor da direção nacional do IAB

 

(Valor Econômico)

http://www.valor.com.br/opiniao/3545164/mp-630-e-um-equivoco#ixzz31haasrAu